Foto Simone Gallego
.. Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e
baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as,
derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente
espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras
coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo
algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ...
Agarro-as no voo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me
diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como
frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as,
bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu
poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio,
presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma ideia inteira muda porque uma palavra
mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a
esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pelos, têm tudo
o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de
tanto ser raízes ... São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e
na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos
conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras,
pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos, tabaco
negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo
... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam
em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das
botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras
luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos
ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo...
Deixaram-nos as palavras.
Pablo Neruda in Confesso que Vivi
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